domingo, 1 de maio de 2011

Tu

Tu e tua tristeza fictícia,
Que é mais triste por ser fictícia.
Tu e tua vida não vivida.
Tu e os teus gestos estáticos,
Poemas incompletos, contos sem final
E um suicídio não consumado.

sábado, 23 de abril de 2011

Mal-estar

Que mal-estar de existir,
Que vontade de vomitar o ser,
Que enjoo abstrato a doer-me a cabeça,
Que materialismo na alma a pungir-me,
Que aflição de ser e existir e estar...

Mas não vomito,
Escrevo isto e não vomito.

E que mal-estar,
Mal-estar de estar e ser e existir e...
E que mal-estar!...

O não grito das coisas

Tudo existindo como um nada que paira
E se demora vagarosamente,
Como um bocejo divino,
Como um deus que se deita em si mesmo e dorme...

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Eu gostava de você

(De Vinícius Rodrigues)

Eu gostava de você.
Eu gostava de você como quem gosta de ver.
Como quem gosta de ver e se perde a contemplar.
Eu gostava de você como quem passa a gostar de viver
E se esquece de viver.
Eu gostava de você como quem gosta de ser não importando o quê,
Como quem gosta de estar não importando onde.
Eu gostava de você de uma maneira leve, tranquila,
Como quem sai para passear por capricho, sem ter aonde ir,
E se perde e se senta para admirar o horizonte.
Eu gostava de você como quem gosta e não sabe explicar,
E para explicar inventa comparações pífias e nada aproximadas de como gosta.
Eu gostava de você como quem deixa de gostar
E escreve um tosco poema sentimental não sentindo nada.
Eu gostava de você de um modo alegre e triste.
Eu gostava de você como quem gosta, afinal se trata de gostar,
Mas ao mesmo tempo não gostando de gostar.
Eu gostava de você.
Mas não, não gosto de você.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Mais vale não valer nada

Mais vale não valer nada do que ser aquilo e fazer tudo aquilo,
Ou do que ser outra coisa qualquer e fazer outra coisa qualquer .

Viro-me para o outro lado e volto a dormir.

domingo, 10 de abril de 2011

À parte

(A Vinícius Rodrigues)

O prazer contemplativo de observar o colapso das coisas...
O cinismo que rejeita os deuses e os homens...
O vazio a bradar verdades frias...

Tudo posto de lado,
Tudo adiado,
Tudo...cuspido.

Ah, humanos, carcaças rastejantes...
Todas as salvações aniquiladas,
Exceto a impraticável, exceto a que nos priva de nós mesmos...

Ó horas, ó pesar de ser, ó intermitente pulsar!
Languidez transcedental,
Repulsa por todo movimento,
Condenação a todo esforço...

Muito distante de tudo para se deixar enganar,
Muito penetrado em si para participar de qualquer coisa.
E à parte, à parte dos acontecimentos como um deus à parte da criação.

E é na madrugada do teu ser que indiferentemente reinas,
Quando nada te atinge ou pesa,
Quando o desinteresse torna-se absoluto,
Quando viver ou morrer não passa de uma questão de capricho.

O mundo sempre em ruínas
E tu (vejo-te) em êxtase como se contemplasses o apocalipse...
Ah, esses instantes em que se vê o mundo desmoronar!...
O paraíso consiste nos três segundos em que se fita a completa destruíção.
Sim, o prazer contemplativo de observar o colapso das coisas,
Estavas a falar disso.

(Era ainda um sorriso, ainda que brando.
Era, depois, um não ter o que dizer.
O silêncio se fazia presente como uma substância perene.)

Sono...
Estaremos a salvos enquanto pudermos sossegadamente dormir...

Lembro-me: o sol do fim do dia dando à cozinha tonalidades alaranjadas.
Mas já é noite, e é noite de um dia que não aquele.
Aquele dia se passou como esse, como se tem passado a minha vida inteira.
Mas já é noite, e hei de dormir,
Findo esta sonolenta vigília e estes sonolentos versos tardios.