domingo, 13 de fevereiro de 2011

Estragado

Meu corpo está estragado.
Meu corpo, que é campo, está estragado.
Pelo tempo, que a tudo arrasta, mesmo àquilo que não se move.
Pelo vento, que a tudo aflige, mesmo àquilo que não sente.
Meus campos tiveram frutos, belíssimos.
Hoje estão todos estragados, apodrecidos.
Deixei-os ao lado, sempre deixei tudo ao lado.
Deixei-os aos cuidados do tempo e do vento.

Meu corpo está estragado.
Tão estragado que não se importa em estar estragado.
Estar estragado é não servir para nada.
Mas, orgulhoso, diz meu corpo:
"O mundo é medíocre, as pessoas são banais,
Eu não quero servir para nada, nem para mim"

Meu corpo está estragado.
Tão estragado que não se importa em estar estragado.
Prostrado pelo pesar que o punge, diz:
"Não importa estar estragado ou são,
São estados e deles tiramos poesias
Que o peso punja portanto."

Meu corpo está estragado.
Não fisicamente, ele mal tem duas décadas.
Está estragado onde residem os campos.
Os campos é que estão estragados.
Passaram pessoas por eles.
Passaram.
Tudo se passou por eles.
Nada ficou.
Nem Deus ficou.
Tudo passou.
Só os campos ficaram,
Impassivelmente atingidos pelo tempo e pelo vento.

Meu corpo está estragado.
Meu corpo agora vê tudo estragado.
Não porque ele distorce.
Meu corpo tem agora a clarividência da podridão.
Tudo apodrece, tudo apodrece.
O mundo é um imenso lixo de coisas inutilizáveis.
Se se faz coisas e se se aproveita coisas é porque se está ébrio.
Estar lúcido é reconhecer-se estragado, é reconhecer que tudo é estragado
E nada serve para nada.
Tudo apodrece e tudo está estragado.
Meu corpo, deita-te e dorme. Tu hás de acordar ébrio também.

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