domingo, 1 de maio de 2011

Tu

Tu e tua tristeza fictícia,
Que é mais triste por ser fictícia.
Tu e tua vida não vivida.
Tu e os teus gestos estáticos,
Poemas incompletos, contos sem final
E um suicídio não consumado.

sábado, 23 de abril de 2011

Mal-estar

Que mal-estar de existir,
Que vontade de vomitar o ser,
Que enjoo abstrato a doer-me a cabeça,
Que materialismo na alma a pungir-me,
Que aflição de ser e existir e estar...

Mas não vomito,
Escrevo isto e não vomito.

E que mal-estar,
Mal-estar de estar e ser e existir e...
E que mal-estar!...

O não grito das coisas

Tudo existindo como um nada que paira
E se demora vagarosamente,
Como um bocejo divino,
Como um deus que se deita em si mesmo e dorme...

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Eu gostava de você

(De Vinícius Rodrigues)

Eu gostava de você.
Eu gostava de você como quem gosta de ver.
Como quem gosta de ver e se perde a contemplar.
Eu gostava de você como quem passa a gostar de viver
E se esquece de viver.
Eu gostava de você como quem gosta de ser não importando o quê,
Como quem gosta de estar não importando onde.
Eu gostava de você de uma maneira leve, tranquila,
Como quem sai para passear por capricho, sem ter aonde ir,
E se perde e se senta para admirar o horizonte.
Eu gostava de você como quem gosta e não sabe explicar,
E para explicar inventa comparações pífias e nada aproximadas de como gosta.
Eu gostava de você como quem deixa de gostar
E escreve um tosco poema sentimental não sentindo nada.
Eu gostava de você de um modo alegre e triste.
Eu gostava de você como quem gosta, afinal se trata de gostar,
Mas ao mesmo tempo não gostando de gostar.
Eu gostava de você.
Mas não, não gosto de você.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Mais vale não valer nada

Mais vale não valer nada do que ser aquilo e fazer tudo aquilo,
Ou do que ser outra coisa qualquer e fazer outra coisa qualquer .

Viro-me para o outro lado e volto a dormir.

domingo, 10 de abril de 2011

À parte

(A Vinícius Rodrigues)

O prazer contemplativo de observar o colapso das coisas...
O cinismo que rejeita os deuses e os homens...
O vazio a bradar verdades frias...

Tudo posto de lado,
Tudo adiado,
Tudo...cuspido.

Ah, humanos, carcaças rastejantes...
Todas as salvações aniquiladas,
Exceto a impraticável, exceto a que nos priva de nós mesmos...

Ó horas, ó pesar de ser, ó intermitente pulsar!
Languidez transcedental,
Repulsa por todo movimento,
Condenação a todo esforço...

Muito distante de tudo para se deixar enganar,
Muito penetrado em si para participar de qualquer coisa.
E à parte, à parte dos acontecimentos como um deus à parte da criação.

E é na madrugada do teu ser que indiferentemente reinas,
Quando nada te atinge ou pesa,
Quando o desinteresse torna-se absoluto,
Quando viver ou morrer não passa de uma questão de capricho.

O mundo sempre em ruínas
E tu (vejo-te) em êxtase como se contemplasses o apocalipse...
Ah, esses instantes em que se vê o mundo desmoronar!...
O paraíso consiste nos três segundos em que se fita a completa destruíção.
Sim, o prazer contemplativo de observar o colapso das coisas,
Estavas a falar disso.

(Era ainda um sorriso, ainda que brando.
Era, depois, um não ter o que dizer.
O silêncio se fazia presente como uma substância perene.)

Sono...
Estaremos a salvos enquanto pudermos sossegadamente dormir...

Lembro-me: o sol do fim do dia dando à cozinha tonalidades alaranjadas.
Mas já é noite, e é noite de um dia que não aquele.
Aquele dia se passou como esse, como se tem passado a minha vida inteira.
Mas já é noite, e hei de dormir,
Findo esta sonolenta vigília e estes sonolentos versos tardios.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

A tristeza de tudo ser o que se é

A tristeza de tudo ser o que se é.
Languidez, prostração, atonia...
Suspiro... bocejo...

Deus reservou o domingo para a consumação do suicídio.
Adio o suicídio como tenho adiado a vida.
Que Deus me perdoe pela dupla heresia.

A brisa um pouco fria e um pouco feliz de um dia terminando...
A tristeza de tudo ser o que se é.

domingo, 3 de abril de 2011

O Reino dos Céus

O sangue quase parado,
A vida deitada ao canto,
O silêncio demorado das horas estáticas...

Os anjos todos se suicidaram.
O Diabo joga xadrez contra o computador.
E Deus a dormir...

O Reino dos Céus...
Sonolência......

sábado, 26 de março de 2011

Quando estavas por aqui

Quando estavas por aqui, tudo era belo
E a poesia reinava como um deus impossível.
Quando te rias por aqui, tudo era vivo
E as paredes te fitavam a contemplar-te.
Quando dormias por aqui, tudo era uma oração silenciosa
E os demônios paravam para te cultuar.

Quando estavas por aqui...
Meu Deus, quando estavas por aqui?
Quando estiveste aqui?
Que tempo foi esse?, tão longínquo em recordação e tão próximo em sensação
(Ou o inverso, ou talvez nada!)
Mas por acaso estiveste mesmo aqui?

Agora percebo,
Estiveste aqui,
Embora não estiveste num lugar físico,
Embora não estiveste ao lado ou defronte a mim;
Estiveste (e sei porque na lembrança de agora sinto que o sentira) em mim,
Foste sensação e tiveste existência psicológica.
Estiveste em mim, e basta que estiveste.

Essa existência e esse tempo que se perderam...
Que se perderam como se se perdesse o Paraíso,
Como um pecado original não cometido seguido da Queda
(Da Queda, ah, meu Deus, da Queda que é tua ausência,
A sensação da tua ausência,
A sensação falsa de ti na sensação da ausência de ti.)

Quando estavas por aqui,
Estavas só em mim,
Assim como outrora estive eu em tudo,
Mas estavas a ser-me o mundo do deus impossível, das paredes a te contemplar e dos demônios a te cultuar.]

Quando estavas por aqui... Ah, meu Deus, quando estavas por aqui...
Hoje estás numa lembrança falsa de onde estiveste,
Hoje estás num sentimento nostálgico do que fostes,
Porém o que de ti está nesta lembrança e sentimento é falso,
Pois se fosses tu não haveria lembrança nem sentimento nostálgico,
Só haveria o mundo contigo e com o deus impossível e com as paredes a te contemplar e com demônios a te cultuar.]


Quando estavas por aqui...

sexta-feira, 25 de março de 2011

Nos dias...

Nos dias em que havia dias,
Havia um mundo
E tudo existia.

Havia haver,
Existia existência,
E eu vivia sem estar morta.

terça-feira, 1 de março de 2011

Que maravilha...

I

Que maravilha que é poder sofrer mansamente num canto quieto,
Que maravilha que é padecer calmamente sem dar explicações a ninguém,
Padecer sem consolos e sem esperanças...
Ah, que maravilha que é estar a sós com a dor que levemente nos punge
E desfrutarmos dela sem a banalidade dos deveres,
Sem a mesquinhez das coisas sociais...
Que maravilha que é sofrer despreocupadamente no silêncio de todas nossas galáxias vazias do peito,
A ouvir apenas o barulho do nosso coração sussurando gemidos ao pulsar.

II

Pesa nessas horas preencher essas horas.
Tudo torna-se despropositado e de um esforço inútil e multiplicado a cem, a mil,
Como se a própria força da gravidade tivesse se multiplicado.
Até ao coração é um fardo bater, um esforço degradante.

III

Que maravilha?
Tudo passa lento e arrastado,
Inclusive a volúpia da dor leve,
Que já passa e vai embora.
Não é cansaço, não é desânimo,
É coisa para além disso.
Ah, alma minha, nem deitar é suficiente,
Tu queres, ao nada querer,
Um estado de repouso abstrato que não existe,
E assim tu flutuas no desconforto da insatisfação de uma não-vontade.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Sono

Há sono em ser o que sou.
Sono que não me deixa dormir.
Sono que não me deixa viver.
Sono que mal me deixa fazer um poema dizendo essas coisas.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Noite impaciente de um dia morto

Passava-se pela estrada
Mas ninguém escutou os gritos de Andreia.
Soluços pintados no ar.
Gemidos riscados no solo.
Poeira, pó, cinza...

Carros... Noite impaciente.
A escuridão de um dia morto à noite...
Um corpo ao chão,
Ao chão agora pintado de vermelho.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Existir, existir, existir e sonhar, mas não viver

Existir, existir, existir e sonhar, mas não viver.
Viver... não!

Corpinho

Que corpinho pequeno tu tens, menina.
Como pode caber tanta dor em teu corpinho?
Não, não deve haver espaço para tanta dor em teu corpinho;
Deve haver uma alma imensa, do tamanho do mundo,
Onde toda essa dor reside.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Levei a vida a não levar a vida a nada

Não levei a vida a procurar ser feliz,
Pois não levei a vida a nada.
A vida também não me levou a nada,
Estagnei em mim e aqui fiquei.

Vejo a criança que saiu de casa para brincar,
Vejo que ela saiu e voltou.
Vejo a mim e vejo que ainda estou aqui;
A vi sair e voltar.
Ela não é mais criança nem eu sou mais criança.

Tudo vai e vem, tudo passa e volta.
Menos eu, que não passo nem vou.
Engano-me, passo e vou, mas imovelmente.
Passo e vou e ando e corro e voo por meu ser, por todo o meu ser.

Lá fora os passarinhos cantam.
Lá fora a vida se morre.
E lá fora há sempre a inquietação de ser lá fora.
Em mim há um deus que dorme.
Nenhum pensar, nenhum sentir...

A canção

A canção que meu ser exala...
A canção que dolorosamente suspiro...
A canção...
Meu Deus, que linda canção!
Ouço-a, não com os ouvidos, ouço-a com toda a minha existência.
Ouço a canção e ela provém do fundo infinito da minha alma.

Ah, que bela canção, bela bela bela!
Que extâse! Que catarse!
Que deleite absurdo, gozo absoluto!
Esta canção perfeita é maior que eu,
Esta canção....
Esta canção só pode vir de Deus.
Deus está em mim a cantar.

Exorcizem Deus de mim,
Que está canção é bela demais para mim.
Exorcizem Deus de mim,
Que eu não suporto esta canção.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Princípio sensacionista

Eu sinto que há apenas duas existências, a minha e a do mundo. A primeira porque eu a sinto diretamente, porque eu sinto a mim. A segunda porque eu a sinto indiretamente, como um estímulo a me sentir, como um suscitador externo de sensações.

Rascunhos de teologia adiada 3

Tudo é oco,
E em tudo há o vazio.
O vazio que há em tudo é Deus.
Deus está em tudo porque Deus é o vazio que está em tudo.
(Tu o sentes?)
Ah, este vazio que paira pleno,
Este vazio que tanto pesa é Deus.
Deus é esta verdade vazia.
Deus é este abismo insondável que é a essência de todas as coisas.
Deus é o espasmo, a palidez, o torpor e a vertigem.
Deus, Deus, Deus, tudo é Deus porque tudo é vazio.
Torna-te lúcido e verás Deus.
Torna-te lúcido e sentirás Deus.
Sentirás o peso do nada absoluto.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Pássaro pequeno que paira por mim, noite vazia e silente que paira por mim

Pássaro pequeno que paira por mim,
Que desejos tens tu?
Não fazez planos de vida.
Não tens grandes ambições.
Eu sou como tu.
Tenho desejo de dormir,
Quando tenho sono,
Desejo de comer,
Quando tenho fome,
Desejo de ir ao banheiro,
Quando tenho tal vontade,
E mais nada.

Os homens forjam necessidades
Necessidades, necessidades, necessidades.
Preenchem a vida de necessidades.
E por assim fazerem, garantem que pouco terão da vida em si próprios.
Eu, que não preencho a vida com nada,
Tenho muito a vida em mim.
O ter que viver já é uma necessidade grande,
E me basta,
Mas não basta aos outros,
Que me impõem necessidades aos montes.
Necessidades sociais... Arre!
Tem-se que viver entre os humanos,
Tem-se que acatar suas frivolidades,
Tem-se que viver extravagantemente,
Tem-se que viver com todo esse barulho que tenta dar significado à vida.
Mas, vê, não há significado.
Por trás do barulho há o oco de tudo ser oco.

Meto-me a pensar nas coisas humanas,
Na vida como os humanos vivem,
E uma inquietude me invade.
A vida dos humanos é toda inquietação,
E agem para garantir que assim seja.
Eu prefiro o vazio de ser o que sou,
De só ser o que sou, tranquilamente.

Noite vazia e silente que paira por mim,
Eu sou como tu.
Nada peço, nada desejo,
E vagarosamente velejo pelo sossego absoluto.

O Outro Lado

Atravessar a Grande Ponte?
Sempre se atravessa a Grande Ponte?
Sempre se chega ao Outro Lado.
Mas atravessa-se a Grande Ponte?
Que ponte que há para o Outro Lado?
Há somente um desfiladeiro no qual estamos sempre andando
E do qual cairemos.
Não há Grande Ponte para o Outro Lado.
Não se atravessa nada para se chegar ao Outro Lado.
Há somente o Precipício que leva ao Outro Lado.
Uma hora se cai no Precipício,
Sempre se cai, todos caem.
Despencar no Precipício?

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Sonhos

Tinha muitos sonhos em vida.
Tinha muitas vidas em sonhos.
Mas a vida prática, essa permeada por movimentos,
Essa ele não vivia.
Vivia a vida dos seus sonhos.
E as vivia somente em sonhos.
Tornar os sonhos concretos é deixar de tê-los.
Queria todos os sonhos sem deixar de tê-los.
Teve todos os sonhos sem jamais realizar algum.
Foi mendigo e Deus em seus sonhos.
Em seus sonhos foi santo e assassino.
Foi tudo em seus sonhos.
Na vida propriamente dita, não foi nada.

Tardas tanto...

Tardas tanto...
Tardas tanto, ó Madrugada.
Madrugada que me trará de volta para mim.
Madrugada que me trará sossego.
Madrugada que me trará insônia sonolenta e tranquila...

Tartas tanto, ó Madrugada.
Madrugada em que choverá,
Madrugada em que haverá céu branco ou cinza...
Madrugada em que finalmente estarei a ser o que sou.
Tardas tanto, ó Madrugada vazia, de céu branco ou cinza...
Madrugada de Chuva, de céu branco ou cinza, Madrugada vazia em que lá estarei, ó como tu tardas!...

Ó Madrugada, tardas tanto...
Tardas tanto e eu nunca aprendi a esperar.
Por não aprender a esperar, aprendi a não esperar nada.
Vivi sempre a não esperar nada.
Mas agora tu tardas,
E eu te espero,
E eu sofro por te esperar sem saber te esperar.

Tardas tanto...

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Ao lado

Eu sou aquela que, quando criança, se pôs a sentar ao lado e lá está até hoje.
Eu sou aquela que sempre se pôs ao lado, indiferentemente, apaticamente.

Eu sou aquela que quando recebeu os brinquedos, sempre os pôs ao lado.
Eu sou aquela que quando recebeu visitas, sempre as deixou esperando do lado de fora.
Eu sou aquela que se pôs ao lado dos fatos, dos acontecimentos, 
E por isso nunca esteve nos fatos e nos acontecimentos

Eu sou aquela que não sabe fazer nada.
Eu sou aquela que não quer saber fazer nada.
Eu sou aquela que não se importa em não querer saber fazer nada.

Eu sou aquela que deixou a vida ao lado de um café que esfriou.
Eu sou aquela que sempre deixou tudo ao lado, ao lado do tempo, do vento e do café que esfriou.
Eu sou aquela que deixou a si própria ao lado de si.
Ao lado do lado de tudo estou eu.

Ao lado direito.

Ah, a Chuva!...

Ah, a Chuva!...
Quanta beleza há na Chuva!
Quanto alento há na Chuva!
Quanto descanso e calmaria há na Chuva!
Quantos paraísos há na chuva!

Ah, a Chuva!..
A Chuva é a irmã do Céu branco.
E quão belo é presenciar o encontro da Chuva com o seu irmão Céu branco.
É o encontro de dois deuses que se cumprimentam e rapidamente dialogam.
É o encontro de dois deuses que abençoam o mundo.

Ah, a Chuva!...
A chuva sempre purifica o mundo.
Há Chuva...

A Chuva é sempre uma afirmação do que eu sou.
A Chuva é sempre um complemento ao que eu sou.
A Chuva é sempre uma intensificação da minha serenidade.
A Chuva é sempre um "tudo está bem".

Quando estive triste, palavras nunca me consolaram.
Palavras sempre me foram por demais superficiais.
Quando estive triste, abstrações nunca me consolaram.
Abstrações sempre me foram por demais falsas.
Quando estive triste, fé em nada nunca me consolou.
Eu nunca tive fé. Ter fé é corromper o que eu sou.
E por isso fé nenhuma nunca me consolou.
Quando estive triste, apenas a chuva me consolou.
A chuva sempre me consola com o seu penetrante "tudo está bem".
Chove..."Tudo está bem, sophia... tudo está bem".
Não que a Chuva me tirasse a tristeza.
Não tirava.
A chuva apenas tornava a tristeza mais agradável.
Quando estive triste e chovia,
Fui a Sophia que estava triste enquanto Chovia,
E fui mais Sophia.

Ah, a Chuva!...
Fui ali na varanda olhar o horizonte e o Céu Branco lá reinava.
Reinava na presença da deusa Chuva.
E eu vim aqui escrever um poema a tentar dizer o que eu sinto pela Chuva.
Sim, eu vim.
Mas ecoa na minha mente "Ah, a Chuva! ah, a Chuva!, ah, a Chuva!..."
Ecoa essa repetição porque chove em minha mente.
E não há mais nada, porque tudo que há é chuva e tudo.
Farei então um poema dizendo apenas "Ah, a chuva!, ah, a Chuva!..."?
Farei então!
Ah, a Chuva!, ah, a Chuva!....
Há Chuva por estes céus.
Há Chuva renovando estes céus já desgastados,
Transformando o caduco céu azul em juvenil Céu Branco...

Chuva! Chuva! Chuva!
Eia, Chuva!
Chuva! Chuva! Chuva!
Nada tenho a dizer senão Chuva! Chuva! Chuva!...

Ah, sim, tenho uma prece a fazer.
Chuva, derrama-te em nós,
Chove sobre nossas cabeças,
Purifica-nos,
Renova-nos,
Dá-nos o ânimo de cair impassivelmente como tu cais,
Dá-nos a paz de escorrer pelo chão como tu escorres,
Dá a indiferença ao nosso sangue de correr pelas nossas veias como tu corres pelas calçadas...

Não, não precisa nos dar nada disso. Não!
Dá-nos apenas a tua presença vez ou outra.
Volta a nos visitar,
Volta a reinar pelos céus, pela terra e pelos rios e mares...
Volta a reinar em nossos corações...
...
Ah, a Chuva!..
...
Chove!

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Nunca mais te verei

(Em memória de alguém que se foi para sempre)

As horas passam lentas.
As horas passam rápidas.
As horas sempre passam.
Sinto que estagnei e tudo passou por mim.

Essas lembranças... essas lembranças...
Essas lembranças de coisas boas às vezes são boas e às vezes doem.
Essas lembranças... não quero que morram.
Mas também não quero que o céu branco se torne turvo.

Essas lembranças de um curto período em que os dias não eram insípidos...
Houve os dias insípidos, depois os dias não insípidos, agora há os dias insípidos com as lembranças dos dias não insípidos.]

Tudo morre, tudo morre, e eu sinto tudo morrer.
Tudo morre, tudo morre, tudo que vive está sempre morrendo.
Tudo morre, tudo morre, e tudo é a repetição dos versículos do Eclesiastes...

Rascunhos de teologia adiada 2

"Quem me dera / Ao menos uma vez / Entender como um só Deus / Ao mesmo tempo é três / E esse mesmo Deus / Foi morto por vocês" (Legião Urbana)

Eu realmente não consigo entender como vocês, modernos, mataram Deus. Talvez ele haja morrido ainda antes, não sei. Sei que está morto... Tão morto que eu não consigo compreender o que ele é. Posso senti-lo, mas não sei explicá-lo nem defini-lo nem mais nada além de senti-lo. Ah, Deus, Deus, o que fizeram contigo? -- O que será de nós?

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Deixa-me estar...

Ah, este céu branco! Branquíssimo.
Este branco é o mesmo branco da minha alma.
Ah, esté céu branco, tão perto e tão imenso e tão...
Paira uma calmaria que me invade.
Penetra em meu ser uma tranquilidade inabalável.
Sinto que esta serenidade é tudo o que sou.
Se não estou serena é porque não estou em mim
E estou doente.
Não quero nada, porque querer é não estar serena.
Não olho para o futuro e digo como quero que o futuro seja.
Olhar para o futuro é perder parte do presente.
Perder parte do presente é perder parte desta serenidade.
E perder parte desta serenidade é perder toda esta serenidade,
Pois esta serenidade é absoluta.
Este céu branco é minha maneira de ser,
É meu estoicismo e minha ataraxia.
Ah, deixa-me estar quieta, deixa-me estar sentada.
Deixa-me estar...

Estragado

Meu corpo está estragado.
Meu corpo, que é campo, está estragado.
Pelo tempo, que a tudo arrasta, mesmo àquilo que não se move.
Pelo vento, que a tudo aflige, mesmo àquilo que não sente.
Meus campos tiveram frutos, belíssimos.
Hoje estão todos estragados, apodrecidos.
Deixei-os ao lado, sempre deixei tudo ao lado.
Deixei-os aos cuidados do tempo e do vento.

Meu corpo está estragado.
Tão estragado que não se importa em estar estragado.
Estar estragado é não servir para nada.
Mas, orgulhoso, diz meu corpo:
"O mundo é medíocre, as pessoas são banais,
Eu não quero servir para nada, nem para mim"

Meu corpo está estragado.
Tão estragado que não se importa em estar estragado.
Prostrado pelo pesar que o punge, diz:
"Não importa estar estragado ou são,
São estados e deles tiramos poesias
Que o peso punja portanto."

Meu corpo está estragado.
Não fisicamente, ele mal tem duas décadas.
Está estragado onde residem os campos.
Os campos é que estão estragados.
Passaram pessoas por eles.
Passaram.
Tudo se passou por eles.
Nada ficou.
Nem Deus ficou.
Tudo passou.
Só os campos ficaram,
Impassivelmente atingidos pelo tempo e pelo vento.

Meu corpo está estragado.
Meu corpo agora vê tudo estragado.
Não porque ele distorce.
Meu corpo tem agora a clarividência da podridão.
Tudo apodrece, tudo apodrece.
O mundo é um imenso lixo de coisas inutilizáveis.
Se se faz coisas e se se aproveita coisas é porque se está ébrio.
Estar lúcido é reconhecer-se estragado, é reconhecer que tudo é estragado
E nada serve para nada.
Tudo apodrece e tudo está estragado.
Meu corpo, deita-te e dorme. Tu hás de acordar ébrio também.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Saio de casa

Olho pela varanda e vejo o mundo. O mundo sempre está lá.
Olho para dentro do meu ser e às vezes não vejo nada. Às vezes não estou dentro de mim.
(Deito-me novamente)
Uma prostração toma conta de mim deste ontem à noite.
Já é manhã e a cama me pesa como se deitasse sobre mim.
Tenho a sensação de ter vivido todas as guerras nessa vigília castigada pela insônia.
Sinto como se não estivesse dentro do meu ser.
E dentro do meu ser estivessem ocorrendo todas as guerras, simultaneamente.
Meu ser é um campo de batalhas.
Meu ser é sempre um campo de alguma coisa.
Meu ser é um campo de batalhas e minha cama é o universo.
Ah, inabitual pesar!
Eu creio em Deus, eu tenho mesmo dialogado com Deus.
Mas agora Deus não vem me visitar.
Deus só vem me visistar quando quer, e quando estou em mim: quando estou serena.
E de qualquer maneira Deus nunca foi consolo para mim.

Sou banhada por uma gota de ânimo.
É agora, Sophia, larga essa prostração. Levanta e sai de casa. Vai fazer um passeio.
Sinto que as guerras acabaram, sinto que retorno ao meu ser.
Levanto, saio de casa.
Olá, manhã terna, manhã sem sol.
Olá, Céu Branco. Como eu te amo, Céu Branco, como eu te amo!
Pessoas, carros, ruas... e reinando sobre os deuses está esse céu imperioso.
Olá, pessoas. Olá, carros. Olá, ruas.
Olá, mundo.
Olá, digníssimo Céu Branco.
Senhor Céu Branco, tu nunca tardas, tu sempre vens me socorrer.
Senhor Céu Branco, sabias que...
Ah, já vais? Então me calo.
Vem o sol e vem um surdo céu azul.
Até mais, Céu Branco.
Vem o céu azul e vou para minha casa, talvez Deus esteja me esperando lá para um café da manhã.

Rascunhos de teologia adiada 1

Querem Deus? Calem a boca. Calem todos os sons. Calem tudo! Nada de preces, nada de súplicas, só o silêncio. Deus só existe no silêncio.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Sinto que nunca senti que amei

Desde sempre minha vida tem sido uma leveza só.
Um sopro contínuo que nem esquenta nem esfria.
Minhas sensações são de um único ritmo.
A minha alegria tem sido tão leve quanto minha tristeza.
Meus dias de céu cinza ou branco são levemente alegres ou levemente entediantes.
Leves, contudo. Leves, sobretudo.
As horas me levam numa leveza lenta.
Aprendi mil motivos para odiar as pessoas.
Todavia não aprendi a odiar as pessoas.
Sinto que nunca odiei nada, nem o que levemente me incomodou.
Sinto que nunca senti que amei.
Quando amei, levemente amei.
Tão levemente que sequer me dei conta que amava.
Só me dei conta que amava quando deixei de amar.
Sinto que nunca senti que amei.
Mesmo quando amei não senti que amei.

Campos

Campos. Meu ser é campos. Herdei campos, pois a minha vida é campos. Vastos.
Às vezes me levanto e passo o dia explorando essas terras vazias.
Às vezes me sento e passo o dia olhando essas terras abundantes.
Terrenos abundantes de frutos inomináveis.
Fora dos campos há movimento e barulho.
Mas dentro dos campos, com exceção de mim, não há nada.
Eu sou aquela a quem deram um nome e objetivos.
Eu sou aquela a quem deram traços e metas de vida.
Eu sou aquela que não concretizou nada do que a ela deram.
Conservei meu nome por conveniência.
Por conveniência me deitei por cima dos sonhos e das metas.
E a vida deixei ao lado.
Deixei a vida ao lado de um café que esfriou.
Do que me deram conservei os campos.
Campos, o que existe senão campos?
Campos. Meu ser é campos. A minha vida é campos. Campos de Sophia. Campos de Guadalupe.